ICMS Ecológico pode ser fonte de renda e financiador de sistema de proteção ambiental nas cidades da Mata Atlântica
Fundação SOS Mata Atlântica verifica que, em algumas cidades, o recurso recebido do ICMS Ecológico pode ser maior que a previsão anual orçamentária para o meio ambiente.
Utilização deste mecanismo pode fazer municípios otimizarem recursos para outras áreas, como educação e saúde
A Fundação SOS Mata Atlântica lança o estudo “ICMS Ecológico e as Unidades de Conservação Municipais da Mata Atlântica“, que traz uma conclusão fundamental para o debate sobre valorização dos parques e reservas brasileiros: o ICMS Ecológico é uma política pública de sucesso para a proteção ambiental nos municípios brasileiros e à valorização do princípio do protetor–recebedor. Além disso, influencia a ampliação das áreas protegidas nos municípios, sendo uma maneira de recompensá-los pelos benefícios que geram à sua população por manterem UCs e outros atributos ambientais.
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O estudo ainda demonstra que, além de não impedir que a cidade se desenvolva economicamente, pode ser mais vantajoso para alguns municípios de baixa renda proteger uma determinada área e receber o ICMS Ecológico do que investir em outras atividades produtivas. Além disso, as categorias de Unidades de Conservação (UCs) mais adotadas pelas cidades são os Parques Naturais Municipais (PNM) e as Áreas de Proteção Ambiental Municipal (APAM), representando 79,7% do número e 97,3% da área total. As APAMs representam 44,1% do número e 95,4% da área protegida pelas UCs municipais na Mata Atlântica.
Foram registradas 1.031 UCs municipais, que protegem cerca de 4,1 milhões de hectares (ha), em 466 municípios da Mata Atlântica. Elas representam cerca de 24% da área total protegida e 39,7% do número total de UCs oficialmente reconhecidas na Mata Atlântica. Essas áreas são fundamentais para o bioma e população brasileira, pois 15% do território nacional e cerca de 145 milhões de brasileiros vivem na Mata Atlântica em 3.429 municípios. Somando áreas protegidas de todas as esferas político-administrativas (federal, estadual e municipal), a Mata Atlântica conta com 2.595 UCs, responsáveis pela proteção de cerca de 17,3 milhões de hectares, ou o equivalente a pouco mais da metade da área de Alagoas.
Para chegar a estas conclusões, a ONG analisou de forma inédita o cenário das UCs municipais – mais conhecidas como parques e reservas – da Mata Atlântica. Além disso, buscou verificar como o ICMS Ecológico pode ser um mecanismo indutor para criação e implementação de áreas protegidas.
“Nossa análise mostra que o ICMS Ecológico é uma fonte importante para financiar um sistema de proteção ambiental de qualidade nas cidades da Mata Atlântica, ou seja, 3.429 municípios onde vivem mais de 70% da população. Com isso, os municípios podem otimizar recursos para outras áreas também estratégicas, como educação e saúde, garantindo a melhoria da qualidade de vida da população“, afirma Erika Guimarães, gerente de Áreas Protegidas da Fundação SOS Mata Atlântica e coordenadora do estudo.
O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) com critérios ambientais é conhecido como ICMS Ecológico (ICMS-E). Ele institui medidas ambientais como critério de repasse dos recursos financeiros, abrindo oportunidades para transformações importantes da gestão ambiental municipal.
“Na prática, trata-se de um mecanismo tributário que possibilita aos municípios acesso a parcelas maiores dos recursos financeiros arrecadados pelos Estados através do ICMS. Ao atender determinados critérios ambientais estabelecidos em leis estaduais, esses municípios recebem valores além daqueles já de direito. As áreas protegidas e outras medidas ambientais se tornaram critério de repasse dos recursos financeiros desse tributo fiscal, abrindo oportunidades para transformações importantes da gestão ambiental municipal“, afirma Luiz Paulo Pinto, biólogo responsável pelo estudo, que é mestre em ecologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Por outro lado, mesmo com os avanços obtidos em quase três décadas, é importante observar que os municípios ainda demonstram dificuldades para a internalização do tributo. A falta de capacidade institucional e a implementação de mecanismos financeiros e de cooperação técnica entre os órgãos ambientais e com os demais setores governamentais, são os principais gargalos nesta área.
Apenas 25,8% (266) das UCs municipais da Mata Atlântica registradas nesse estudo estão inseridas no Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC). E somente 35% das UCs municipais possuem algum tipo de informação nos websites das prefeituras e/ou estão registradas no CNUC, evidenciando o desafio de sistematizar informações a respeito delas. Em São Paulo, por exemplo, seria muito importante a incorporação das UCs municipais nos critérios de repasse do ICMS Ecológico, já que somente as UCs estaduais são consideradas nos critérios ambientais do tributo. A inclusão das municipais beneficiaria pelo menos 32 municípios que já possuem UCs municipais, assim como poderia incentivar outros municípios a criarem suas próprias áreas protegidas
Além disso, é necessário monitoramento e análise constante do mecanismo para que os municípios não fiquem desestimulados. Segundo o estudo, quanto mais municípios aderirem ao índice e criarem UCs em seus territórios, menor será o retorno financeiro, a menos que o montante arrecadado cresça na mesma proporção. Existe a necessidade de ampliar o conhecimento sobre as UCs municipais e o ICMS Ecológico para possibilitar o aperfeiçoamento desses mecanismos e das políticas públicas capazes de proporcionar a proteção da biodiversidade em longo prazo, com a contribuição dos governos locais.
É importante também avaliar a possibilidade de replicar o conceito implantado no ICMS Ecológico em outros tributos com potencial para esse fim como, por exemplo, o Fundo de Participação Municipal (FPM) e a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM).
Exemplos a serem seguidos
Apesar dos desafios, os especialistas afirmam que vale a pena investir nesta estratégia. Atualmente, 17 estados do país possuem ICMS Ecológico, sendo 11 inseridos na Mata Atlântica. Presente em pelo menos 1/3 dos municípios brasileiros como uma das fontes de financiamento ambiental, este mecanismo inovou ao estabelecer uma intervenção positiva e não coercitiva do estado, através de um instrumento extrafiscal e incentivador, influenciando na ação voluntária das políticas públicas ambientais dos municípios.
Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná são os estados que possuem o maior número de Unidades de Conservação (UCs) municipais. Juntos, eles possuem 69,7% do número e respondem por 60,2% da área protegida por UCs municipais na Mata Atlântica. Portanto, foram selecionados para uma avaliação do ICMS Ecológico como mecanismo de incentivo à criação e implementação de UCs municipais, devido à sua importância no cenário das áreas protegidas municipais, na implementação desse tributo e na dimensão política e socioeconômica do país.
Em Minas Gerais e no Paraná, por exemplo, algumas análises mostram que para os municípios de baixa renda a opção de proteger uma determinada área em UC e receber o ICMS Ecológico é mais vantajosa do que outras atividades produtivas. Esse é um aspecto muito importante, já que os municípios de baixa renda dependem fortemente das transferências do Fundo de Participação dos Municípios.
Nos últimos 10 anos, foram repassados aos municípios do Paraná, Minas Gerais e Rio de Janeiro mais de R$ 2,5 bilhões através do ICMS Ecológico, envolvendo 849 municípios dos três estados. Desses, 212 municípios (25%) recebiam ICMS Ecológico pela existência das UCs municipais e 621 (73%) pela presença de UCs nas três esferas político-administrativas.
No Rio de Janeiro, a arrecadação saltou de R$ 37,9 milhões (em 2009) para R$ 111,5 milhões, em 2011. Em 2017, a estimativa de repasse foi de R$ 220 milhões, sendo quase R$ 20 milhões pela presença de UCs municipais.
Niterói, que possui sete UCs municipais, recebeu R$ 4,7 milhões em 2017, sendo 42,3% desse montante graças à presença dessas unidades. O recurso recebido do ICMS Ecológico por Niterói foi maior que a previsão de execução orçamentária para o meio ambiente no ano, totalizada em R$ 4 milhões.
Em Minas Gerais, o montante do ICMS Ecológico duplicou nos últimos 10 anos, alcançando cerca de R$ 100 milhões/ano. Pelo subcritério das UCs, foram repassados mais de R$ 290 milhões nesse período, o que reforça a importância do mecanismo para alavancar investimentos na área. Só em 2016, foram distribuídos cerca de R$10,6 milhões entre 81 municípios do estado com UCs municipais na Mata Atlântica.
No Paraná, o valor do tributo era de cerca de R$ 17 milhões em 1990, passando para R$ 162,2 milhões, em 2016.
“Acreditamos na criação, gestão e valorização de parques e reservas como algumas das ações mais importantes para a conservação da Mata Atlântica. Isso porque esses espaços resguardam diversos serviços prestados pela natureza à sociedade. Além disso, elas ajudam no ordenamento territorial das cidades e tem se revelado uma excelente oportunidade de arrecadação de recursos e de desenvolvimento de negócios sustentáveis para as cidades,“, finaliza Érika.
A expansão das UCs municipais na Mata Atlântica também se deve a outros fatores, que envolvem a consolidação da Constituição Nacional de 1988; o aumento do interesse da sociedade pela proteção ambiental; os compromissos oficiais assumidos pelo país após a Rio 92; a instituição do SNUC em 2000; a cobrança cada vez maior da população por bem-estar, lazer e recreação; a necessidade de arrecadação de recursos pelos municípios e o fortalecimento do conceito de desenvolvimento sustentável nas sociedades.
A Fundação SOS Mata Atlântica também monitora o desmatamento na Mata Atlântica nos 3.429 municípios do bioma por meio do seu Atlas dos Remanescentes Florestais, realizado em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). “Também atuamos pela ampliação e fortalecimento das Unidades de Conservação na esfera municipal. Essa agenda local é estratégica para a nossa atuação e importante para a Mata Atlântica, que abriga 61% dos municípios do Brasil“, afirma Marcia Hirota, diretora-executiva da Fundação.
Por Fundação SOS Mata Atlântica