Diversidade e liderança feminina: como ampliar esse debate dentro das organizações?
Artigo escrito por Tauan Mendonça*
Diversidade nas empresas não é um discurso vazio e muito menos uma vitrine de marketing. O tema fala sobre uma cultura empresarial e tem sido encarado como um pilar estratégico para o futuro dos negócios. Afinal, trazer variedade de olhares, vivências e experiências enriquece a qualidade dos projetos e torna as entregas muito mais competitivas. Apesar das empresas terem se despertado para sua importância, inseri-la na cultura é muito mais complexo do que podemos imaginar.
A diversidade de gênero é a mais debatida e difundida dentro das organizações e, mesmo nesse tópico, a representatividade feminina em cargos de liderança ainda está muito aquém do desejado. A pesquisa anual International Business Report (IBR) – Women in Business 2019, realizada pela Grant Thornton, com mais de 4.995 empresas em 35 países, mostra que apenas 29% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres. No Brasil, esse percentual cai para 25%. É notável que as empresas estão no caminho certo para tornarem-se mais inclusivas e diversas, afinal esse número representa um crescimento de cinco pontos percentuais em relação ao relatório de 2018. No entanto, essa representatividade ainda não reflete a realidade social.
Para entender como anda esse debate dentro das organizações, conversei com executivas de destaque em cada uma de nossas áreas de atuação: Tax, Compliance e Government Affairs. Todas elas foram unânimes ao dizer que as organizações sabem da importância da diversidade, mas, na prática, trazer isso para o dia a dia é muito difícil, já que transformar a cultura organizacional requer introduzir o tema nas pessoas e desconstruir o machismo estrutural da sociedade.
Nesse bate papo, me chamou muito atenção a fala da Ana Claudia Ferreira, diretora de Tax para América Latina da Maersk. “Estamos em 2019, e eu fico chocada com o fato de ainda estarmos questionando sobre a importância da diversidade dentro das organizações. De maneira muito simplista, no fundo, trata-se apenas do mundo ser representado da maneira como ele é em todas as esferas possíveis. E se nós, mulheres, somos metade da população mundial, porque temos apenas 30% dos postos em cargos de liderança? O que dizer então dos percentuais pífios em cargos mais altos, como CEOs e Conselheiros?”, expõe Ana Claudia. Nada justifica essa disparidade, pois apesar de homens e mulheres serem diferentes, ninguém mais deveria questionar a competência e habilidade de ambos na realização de qualquer trabalho.
Discutir corporativamente temas de diversidade e liderança feminina não é só extremamente importante, mas necessário. Temos uma desigualdade numérica de mulheres em cargos de liderança e precisamos entender a causa raiz, para que possamos tratá-la. “Quando ações são tomadas em prol da diversidade, resultados muito positivos são facilmente observados. Na Johnson & Johnson, o valor à diversidade é bastante forte e está presente desde a fundação da companhia, em 1886. Aqui no Brasil, se considerarmos as três companhias do conglomerado – Consumo, Janssen e Medical Devices, a presença de mulheres na liderança é de 43%. Desse total, 47% está na liderança sênior e 42% em funções de diretoria. Além disso, entre os jovens talentos (estagiários e trainees), as mulheres ocupam 63% das vagas, que demonstram que o compromisso em assegurar a liderança feminina dentro da empresa é também de longo prazo”, afirma Ana Carolina Dellias, vice presidente – Legal & Corporate Affairs, Latin America na Johnson & Johnson.
Dentro do tema diversidade é importante avançarmos a discussão e explorar a reflexão em outras esferas. No Brasil, durante o último senso feito pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 7,6% da população se autodeclarou negra e 43,1% se autodeclarou parda. Mas, será que ao entrar em uma reunião de board empresarial, vemos esse recorte racial representado? Posso afirmar que não!
A única coisa que persiste dentro das empresas e perpetua a baixa representatividade de gênero é o machismo estrutural. Aquele onde, de maneira não declarada, uma mulher recebe menos oportunidades de promoção por ter filhos, ou por estar em idade reprodutiva. É o mesmo preconceito que faz com que muitas mulheres sejam demitidas assim que retornam da licença maternidade. O estigma que persegue as mulheres no mundo corporativo é que ao engravidar ela não irá se dedicar à carreira com afinco, já que os filhos e a família irão se tornar a prioridade em suas vidas.
Andrea Napolitano, presidente da divisão de sucos para América Latina da Pepsico, afirma que esse estigma persegue inclusive mulheres que não tem filhos. “Eu já tive que ouvir de um colega homem, mesmo nível hierárquico que eu, que eu estava sendo promovida para cumprir cota de mulheres no board. É claro que o tempo provou que ele estava errado, e eu entreguei três vezes mais resultado na posição para a qual fui promovida do que meu antecessor”, orgulha-se.
Para Nelcina Tropardi, vice-presidente de assuntos corporativos da Heineken no Brasil, o discurso de empoderamento e diversidade feminina em cargos de liderança também precisa evoluir. “A diversidade já está sendo entendida e adotada pelas empresas, portanto, chegou a hora de ampliarmos o debate. Não adianta chegar, ser promovida e conquistar o cargo. Temos que lutar para sermos ouvidas nesses lugares de liderança”, explica.
O manterrupting é um termo em inglês que surgiu em 2015, e é usado para explicar um comportamento machista, onde uma mulher é interrompida em sua fala e argumentação, geralmente por um homem. Apesar do termo ser recente, a prática de interromper mulheres durante seus discursos e posicionamento é bem mais antiga. Depois de ter sido cunhado, o manterrupting passou a ser um fenômeno observado e documentado em várias ocasiões e, infelizmente, provou ser um comportamento real em nossa sociedade.
Abrir mais espaços para a diversidade de gênero significa ampliar também as multipotencialidades em cada profissional. Uma organização que explora e adequa sua equipe de colaboradores de acordo com as habilidades de cada pessoa funciona de maneira muito mais coesa e entrega muito mais resultados.
Felizmente, a questão de gênero deve se dissipar com o tempo. Para Roberta Corbetta Pegas, Chief Compliance Officer da Telefônica, as crianças e adolescentes da geração Z e Alfa já encaram com naturalidade as diferenças que existem entre meninos e meninas e o valor e a capacidade que ambos podem desenvolver. “Estava mais do que na hora”, disse.
Roberta chamou a atenção para a diversidade geracional que estamos vivendo no mercado de trabalho e que também tem se provado um desafio. As inúmeras gerações que estão ativas e precisando conviver dentro do ambiente corporativo. “Hoje, temos ao menos quatro gerações convivendo e compartilhando conhecimento dentro do ambiente de trabalho. Lidar com a essa complexidade e diversidade é um grande desafio, já que estamos vivendo uma verdadeira revolução tecnológica que está transformando todas as estruturas”, afirma.
Ainda temos muito o que avançar nesse debate e na ampliação dos espaços para inclusão. Falar sobre diversidade e promover sua realização é uma missão para as consultorias de recrutamento, os departamentos de recursos humanos, as lideranças e todas as esferas hierárquicas de uma organização. Fazer com que mais olhares sejam representados e com que mais ideias sejas ouvidas é um desafio ao qual precisamos nos dedicar e vencer nos próximos anos.
*Tauan Mendonça é advogado especializado em Gestão de Negócios e sócio da VITTORE Partners, consultoria de recrutamento especializada nos mercados Jurídico, Tributário, Compliance e Relações Governamentais.